A mochila pesa, bem mais do que de manhã e os meus pés fervilham dentro das botas. Preciso de as descalçar o mais depressa possível. Olho em frente, a subida parece que não para nunca, infinita, para além das nuvens. Não é nada encorajador e há volta, salvo algumas excepções, estão todos na mesma situação. Respiração ofegante, corações a bater forte e o rosto cansado. Pára-se para mais um golo de água, umas dentadas nas barritas energéticas…e mais um esforço. “Tem de ser”, dizem. Tem mesmo? Não podemos simplesmente ficar por aqui e esperar? Parece que não, o descanso fica do outro lado, o objectivo também, e são duas coisas a que queremos chegar.
Alguém começa a cantar…está na hora. Mochilas de novo nas costas, as pernas esticam-se, um último suspiro…é desta!
Querer chegar sempre mais longe, mais alto, fazer mais difícil, ser melhor…às vezes não percebo porquê. Podíamos simplesmente ficar na sede a estreitar os laços de grupo, mas ninguém propõe isso. Sinceramente…ainda bem. Gosto de ser diferente, de correr riscos, de fazer uma actividade arrojada, onde testamos os nossos limites. Aqui não há conforto, camas com colchões ortopédicos, ar condicionado, televisão, Internet, etc. Não há nada daquilo que mais estamos habituados a usar no nosso dia-a-dia. O mais curioso é que não me lembro de serem essas as nossas “queixas”. No fim, sobra sempre para o cansaço, para as subidas, para o andamento rápido de alguns, nunca para a falta de conforto.
Já vejo uns com duas mochilas e outros sem nenhuma. É estranho este altruísmo. Porque é que não se pode deixar ninguém para trás? E que espírito é este que nos faz despender um esforço extra para ajudar os outros a chegar ao fim connosco? Entretanto já passámos as nuvens, olho de novo para o topo e parece que tem fim, e está ao nosso alcance. Este novo vislumbre faz disparar os comentários…”Boa! Estamos quase…”, “O quê, ainda tenho de subir isto tudo? E depois descer? Ahhhh!”, “ Não sejas piegas.”, “’Bora lá malta!!!”.
No princípio os sorrisos são uma característica geral. É de todos. Todos cantam, todos têm piadas para contar. Com o passar do tempo e o pesar do caminho, tudo se vai dissuadindo, lentamente, até que os comentários passam a ser apenas sons imperceptíveis e sem tradução. Um passo depois do outro, olhos fixos nos pés, até conhecer os nós dos atacadores, os golpes nas pernas, até ficar a saber exactamente o ritmo das passadas…um pé, o outro pé, um pé, o outro pé. Compassos perfeitos. Parece que apenas isso nos faz andar e seguir…ir seguindo. Um pé depois do outro.
Apercebi-me de que uns pararam um pouco mais à frente. Esperam…
Era o topo. Tínhamos chegado. Esperávamos por todos, não consigo explicar porquê, mas são momentos que fazem mais sentido em grupo, ou pelo menos são engrandecidos por estarmos juntos. No fim de contas, é mais difícil, em grupo, mas parados aqui em cima, faz muito mais sentido que seja assim. Não importa já o caminho que ainda falta, o cansaço acumulado, as dores nas pernas ou os pés a arder. Não importa o banho quente e os lençóis lavados lá de casa. Não importa mais nada. Chegámos! Isso basta. Guardam-se estes momentos breves na caixinha da memória, onde há sempre espaço. Caixinha sem fundo, fica aqui, ao pé da subida de rio e do raide de bicicletas.
Logo à noite vai haver festa, e descanso. Vão haver abraços e canções. Vai haver quem dance, quem se ria até não poder mais.É curioso aquilo que se consegue ver do cume de uma montanha. Depois de se ultrapassarem os obstáculos tudo fica mais claro, os horizontes ficam mais largos e voltam as forças e a imaginação para pensar…da próxima vez…
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